Passavam três dias que Suzy não colocava os pés a escola e isso estava a agoniar Tony. Não sabia ao certo porque ela não se fazia as aulas – seria porque não queria vê-lo? Estaria ela indignada com a sua atitude daquele dia? Estaria ela doente? Teria ela perdido vontade de estudar? - Não, pensar nesse tipo de coisas era terrível para ele; magoava-lhe e o deixava cheio de culpa por ter sido muito petulante, egoísta e descortês no dia em que estiveram juntos. Não é daquela maneira que a devia ter tratado – pensava ele. Aquela mulher era tão especial e, em tão pouco tempo, tinha conseguido se tornar o seu tudo: o seu sol, a sua lua, o ar que respirava, a sua estrela cadente, o seu mundo. Apetecia-lhe vê-la, olhar novamente para aqueles olhos lindamente grandes e hipnotizadores, tocar aquele corpo divinamente esculpido e fatalmente atraente, beijar novamente aqueles lábios docilmente carnudos e estupendamente deliciosos; apetecia-lhe ouvir novamente aquela voz angélica que se soltava sempre harmónica e maravilhosamente suave, que, às vezes, no negro do seu quarto e em aventuras sonambólicas, ouvia-a gritar seu nome. Apetecia-lhe encontra-la e dizer tudo o que ainda não lhe tinha dito; mas como faria isso, se ela sumira, evaporara sem deixar rastos?
Era tarde e o sol brillhava preguiçosamente entre as copas dos coqueiros que se alinhavam educadamente na miragem poente, dando um ar paradisíaco a cidade. Tony Estava no mesmo lugar onde Suzy o deixara no dia em que estiveram juntos. Algo lhe dizia que aquele era o lugar predilecto dela, pois tinha algo parecido com ela: o brilho do azul do mar era semelhante ao brilho dos olhos dela, o verde amarelo das acácias baladando ao ritmo dos ventos semblava-se ao colorido dos cabelos dela, sempre soltos e polidamente penteados; a miudez dos mangais marginais reflectiam à beldade do seu aspecto físico, retumbantemente juvenil e apetitoso.
Sentou-se nostálgico e completamente desesperado sobre o mesmo banco, que dias antes os acolhera, a ele e a Suzy. Lembrou-se do aterro dos pombos, do casal beijoqueiro, do perfume abundante e invasor de Suzy, do beijo roubado, da fuga desesperada dela, lembrou-se melancolicamente de tudo. Onde estaria Suzy?- pensou ele, enquanto lançava um olhar desinteressado às paredes longínquas das ruínas da marinha. Por lá viam-se casais aos namoriscos um pouco por todos os cantos, como era comum àquelas horas da tarde. As andorinhas abundavam graciosamente o céu vago, as borboletas divertiam-se beijando compulsivamente as flores dos mangais e, sobre as ondas distantes do mar, barcos à vela entrecruzavam-se, ansiosos de alcançar a terra firme, antes que a escuridão engolisse os escassos raios de sol, que ainda teimavam desafiá-la. mas algo depois o atraiu à atenção: Um pouco afastado dos casais, uma sombra feminina se erguia, solitária e aparentemente distante de si e de tudo em volta. O seu olhar não se despregava do mar. Era como se dele tentasse buscar respostas para perguntas difíceis.
-- Santo Deus, só pode ser ela! Não acredito! Suzy!
Tony saiu desesperadamente às correrias atrás dela, que nem se quer conseguia sentir os pés tropeçando entre os arbustos. Queria atirar-se aos braços dela, confessar que sofria pelo sumisso dela, enchê-la de beijos e dizer-lhe o quanto a amava!
Aproximou-se dela camaleando pelas costas e tapou-lhe o rosto para que ela o pudesse adivinhar. A suavidade daquelas mãos e o aroma daquele perfume envolvente eram inconfundíveis. Suzy sorriu.
-- Tony!. Sei que és tu!- disse ela dilatando o sorriso.
-- Como advinhaste que era eu quem te tapava os olhos? - Perguntou ele com admiração.
-- Ainda me lembro do teu perfume. O que fazes por aqui?
-- Ando a tua procura Suzy. Estou preocupado contigo. Desde o dia que nos vimos que não vais a escola. Cheguei a pensar que fazias isso por minha causa e por causa do que aconteceu naquele dia.
- E como sabias que eu estava aqui.
-- Não sabia! Mas o desespero, a saudade e a vontade de te ver arrastaram até aqui. Este lugar é muito parecido contigo e algo me dizia que te havia de encontrar aqui.—e olhando-a intensamente nos olhos, acrescentou:-- Não penso noutra coisa a não ser em ti Suzy. É muito mais forte do que eu, percebes!
Suzy suspirou e, engolindo uma gota de saliva em seco, começou a chorar aos soluços.
-- Tens que me esquecer Tony— disse ela aos soluços— eu não posso ficar contigo, não estou em altura de ser o que tu queres que eu seja para ti. Sinto muito Tony, sinto muito.
-- escuta, Suzy, eu...
-- Escuta tu, Tony.— Interrompeu-lhe ela, limpando o rio de lágrimas que banhava o seu rosto— Não é pelo simples facto de seres meu professor que eu não me quero relacionar contigo. Isso é um problema, com certeza, mas não muito difícil de resolver. Mas para além disso estou numa situação muito complicada e não te quero envolver nela. É a coisa mais importante da minha vida e não quero brincar com ela porque não me quero arrepender depois. Por isso te peço, pelo amor de Deus, que me esqueças.
-- Não vou conseguir, Suzy. Prefiro que me envolvas nela.
Suzy fechou os olhos e suspirou. Tony era tão insistente quanto sedutor e essas duas qualidades deixavam-na intrigada. Envolver-se com Tony era um perigo que ela não queria correr, pois sabia muito bem o preço que teria que pagar depois. Por isso, tinha que lhe contar a verdade.
-- Sou casada, Tony.
E era verdade. Suzy conhecera Samuel, um engenheiro de construção civil, numa festa de aniversário de sua amiga e com ele se casara, fazia já dois anos. Na altura, acabava de terminar uma relação que a tinha deixado apavorada e tremendamente decepcionada. Tinha surpreendido seu namorado na cama com uma das suas melhores amigas. Manuel fora um analgésico para a ferida que aquela situação criara dentro do seu coração. Não o amava, mas era um óptimo companheiro e amigo. Suzy aprendera a gostar dele, apesar de ser um marido ausente devido ao seu trabalho. Samuel era um tipo muito conversador e sabia fazê-la rir com facilidade. era diferente de muitos homens que ela conhecera na sua vida. Dava-lhe uma especial atenção e tratava-a como uma rainha. Nunca lhe deixava faltar absolutamente nada. E quando ausente, por obrigações de trabalho, telefonava sempre que pudesse e ficava horas falando-lhe dos seus projectos e da sua rotina e isso agradava Suzy. Embora carente, porque passava muito tempo sozinha, Suzy sentia-se feliz com a escolha que tinha feito, até conhecer Tony, que reavivou as lembranças do seu ex.Tony tinha muita coisa em comum com Zé Manel, seu ex-namorado, e isso a aterrorizava. Tony era demasiadamente jovem, bonito e sedutor. Era daqueles homens que toda mulher deseja ter; aliás, na escola, ouvira muitas das suas colegas admirarem-no e fazendo projectos de o seduzir. Por isso, tinha que o afugentar para bem longe de si, se quisesse se proteger e salvaguardar a sua personalidade e o seu casamento. Não queria passar de novo pela experiência que tivera com Zé Manel e comprometer o seu casamento, que naquele momento era a coisa mais importante da sua vida.