Viajei cerca de 45 minutos ao lado dum bafo insuportável de tentação (bebida alcoólica com 43% de
volume de álcool, em recipiente de cerca de 300 ml, vendida ao preço de 25
meticais, cerca de 1 dólar) contudo, sem opção tive que suportar até chegar ao
meu destino, tal como uma parábola bíblica faz referência, sofri, mas no fim saí com uma grande lição.
Foi numa manhã fria de segunda-feira, a
cacimba denunciava vagarosamente a ausência dos transportes semi-colectivos.
Eram 6:45h da manhã quando cheguei a paragem desertificada pelo tempo frio que
se fazia sentir, no bairro de CMC
Magoanine, (arredores da cidade de Maputo), onde me encontro a residir e o
meu destino naquele instante, era a praça da OMM, mas com sorte que transformou-se momentaneamente num azar, depois de minutos o transporte não tardou a chegar e
curiosamente, havia um lugar vago no auto carro, que sem demora me servi, aliás,
era o único passageiro que se encontrava na paragem no momento.
Entrei sem perguntar o destino, pois a
minha maior necessidade naquele instante era sair daquele lugar, sobretudo do
frio que me fazia tremer até os dentes. Sentei ao lado dum passageiro que debruçava
sua cabeça para baixo. “Deve estar a dormir”! Foi a primeira impressão que
tive, porém, logo na primeira lomba que encontramos, despertou com uma voz bem
grossa acompanhada por um bafo insuportável
da bebida agressivamente destruidora – tentação.
̶ Cha u tomi cha binza!
Espantado, talvez assustado olhei para ele,
o que vi, foi uma face juvenil dos 17/18 anos aproximadamente, no entanto,
cansada e visivelmente agastada com a condição que a vida lhe oferece. O que eu
não percebia, era se o jovem dormira embriagado na noite anterior ou na pior
das situações nem havia dormido, porém, a resposta a essa indagação pouco interessava
no momento, pois ambas possibilidades culminavam numa insuportável situação,
que me obrigou a aguentar.
̶ Cha u
tomi cha binza!
Continuava o jovem a murmurar e como refrão
proferia a apelativa frase numa voz cada vez mais alta, como quem gritava pelo
socorro, mais isso era de menos perante o insuportável cheiro que saía sempre
que ele abria a boca, enquanto os restantes passageiros se irritavam pelo seu barulho,
eu era pelo bafo, com espécie de limão
cortado aos gomos, deixado durante dias dentro dum recipiente fechado.
E prosseguindo com a viagem que parecia levar
uma eternidade, quando pensei que tinha perdido o meu dia, o pior estava por
vir. Chegamos ao nó do bairro de Hulene, onde o congestionamento de automóveis,
faz o quotidiano da zona, foi daí que na máxima calma o jovem tirou uma
garrafinha de tentação, do bolço e sorridente
me convidou a partilhar tomando um gole. Irritado desde que entrara no semi-colectivo,
na hora não sabia se olhava para ele ou se calava, ou ainda se lhe dava pouca
intimidade, limitando o seu atrevimento ou se de forma educada agradeceria numa
linguagem eloquente, como jeito de dar poucas possibilidades de diálogo.
Durante alguns segundos olhei para ele bem indeciso, mas acabei me decidido
pela segunda opção, ao que me custou caro, pois surpresamente, convidei o jovem
a um desabafo:
̶ Estás a ver tu jovem, sais de manhã
para ires trabalhar, mas quando voltas bem tarde por causa de muito trabalho, o
seu pai te tranca as portas, já imaginaste nesse frio dormires na porta da sua
própria casa, sem direito a jantar – rematou o jovem embriagado.