sexta-feira, 1 de junho de 2012

“Cha u tomi cha binza”

Viajei cerca de 45 minutos ao lado dum bafo insuportável de tentação (bebida alcoólica com 43% de volume de álcool, em recipiente de cerca de 300 ml, vendida ao preço de 25 meticais, cerca de 1 dólar) contudo, sem opção tive que suportar até chegar ao meu destino, tal como uma parábola bíblica faz referência, sofri, mas no fim saí com uma grande lição.
Foi numa manhã fria de segunda-feira, a cacimba denunciava vagarosamente a ausência dos transportes semi-colectivos. Eram 6:45h da manhã quando cheguei a paragem desertificada pelo tempo frio que se fazia sentir, no bairro de CMC Magoanine, (arredores da cidade de Maputo), onde me encontro a residir e o meu destino naquele instante, era a praça da OMM, mas com sorte que transformou-se momentaneamente num azar, depois de minutos o transporte não tardou a chegar e curiosamente, havia um lugar vago no auto carro, que sem demora me servi, aliás, era o único passageiro que se encontrava na paragem no momento.
Entrei sem perguntar o destino, pois a minha maior necessidade naquele instante era sair daquele lugar, sobretudo do frio que me fazia tremer até os dentes. Sentei ao lado dum passageiro que debruçava sua cabeça para baixo. “Deve estar a dormir”! Foi a primeira impressão que tive, porém, logo na primeira lomba que encontramos, despertou com uma voz bem grossa acompanhada por um bafo insuportável da bebida agressivamente destruidora – tentação.
̶  Cha u tomi cha binza!
Espantado, talvez assustado olhei para ele, o que vi, foi uma face juvenil dos 17/18 anos aproximadamente, no entanto, cansada e visivelmente agastada com a condição que a vida lhe oferece. O que eu não percebia, era se o jovem dormira embriagado na noite anterior ou na pior das situações nem havia dormido, porém, a resposta a essa indagação pouco interessava no momento, pois ambas possibilidades culminavam numa insuportável situação, que me obrigou a aguentar.
 ̶  Cha u tomi cha binza!
Continuava o jovem a murmurar e como refrão proferia a apelativa frase numa voz cada vez mais alta, como quem gritava pelo socorro, mais isso era de menos perante o insuportável cheiro que saía sempre que ele abria a boca, enquanto os restantes passageiros se irritavam pelo seu barulho, eu era pelo bafo, com espécie de limão cortado aos gomos, deixado durante dias dentro dum recipiente fechado.
E prosseguindo com a viagem que parecia levar uma eternidade, quando pensei que tinha perdido o meu dia, o pior estava por vir. Chegamos ao nó do bairro de Hulene, onde o congestionamento de automóveis, faz o quotidiano da zona, foi daí que na máxima calma o jovem tirou uma garrafinha de tentação, do bolço e sorridente me convidou a partilhar tomando um gole. Irritado desde que entrara no semi-colectivo, na hora não sabia se olhava para ele ou se calava, ou ainda se lhe dava pouca intimidade, limitando o seu atrevimento ou se de forma educada agradeceria numa linguagem eloquente, como jeito de dar poucas possibilidades de diálogo. Durante alguns segundos olhei para ele bem indeciso, mas acabei me decidido pela segunda opção, ao que me custou caro, pois surpresamente, convidei o jovem a um desabafo:
̶  Estás a ver tu jovem, sais de manhã para ires trabalhar, mas quando voltas bem tarde por causa de muito trabalho, o seu pai te tranca as portas, já imaginaste nesse frio dormires na porta da sua própria casa, sem direito a jantar – rematou o jovem embriagado.

Durante alguns segundos mesmo os que vinham conversado durante a viagem, alguns deles criticando a juventude e os seus vícios, mantiveram-se silenciosos depois daquele desabafo abafado, irritados com o jovem no princípio tinham agora um olhar de compaixão e, eu continuava sem saber o que dizer, me limitando a observa-lo, já de forma solidária.
Algo de estranho notei naquele transporte, tanto o cobrador como o motorista mantiveram-se sempre calados, já que ninguém desceu nem subiu. O cobrador era um dentre nós e normalmente esses falam mais que os próprios motoristas, principalmente nas condições em que viajávamos.
Chegamos a Praça dos Combatentes, mas o destino do transporte era Baixa da cidade, a maioria se não todos os passageiros prosseguiam com a viagem, entretanto, o cobrador recolheu dinheiro de todos passageiros, menos do jovem alcoolizado.
Quando entramos naquela gaiola do terminal da Praça dos Combatentes, só o jovem desceu, mas antes disse as seguintes palavras ao motorista:
̶  Ya meu pai, é mais um dia, vim trabalhar para poder comer, volta a trancar as portas para mim se eu não conseguir chegar cedo.
E logo saltou do carro, e de repente foi saudado por um grupo de jovens que ali se encontravam, daqueles ajudantes dos cobradores e carregadores de mercadorias das mamanas (senhoras vendedoras) do mercado.
A partir daquele momento tudo fazia sentido, o silêncio do cobrador e do motorista, a isenção do jovem no pagamento do transporte, o desabafo abafado do jovem. Foi dali que percebi que a perdição de alguns jovens é meramente culpa dos seus próprios pais, e essa sim para mim foi a grande lição, e realmente…cha u tomi cha binza! (essa vida é pesada/difícil) 

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