Desde a sua investidura, o presidente Armando Guebuza, nos seus discursos sempre deu ênfase a luta contra a pobreza em Moçambique, como tarefa de todos moçambicanos do Rovuma ao Maputo, do Índico ao Zumbo, destacando unidade nacional, como um instrumento indispensável para o sucesso de Moçambique nesta luta. A unidade nacional, passa pela revalorização dos heróis moçambicanos e reconstrução de lugares considerados históricos, como forma de juntar moçambicanos de diferentes origens, etnias, raças, religião, a lutar pelo mesmo fim: acabar com a pobreza em Moçambique. O presente texto, analisa os diferentes discursos de Guebuza, procurando perceber a essência e os objectivos, no contexto da chamada presidência aberta, com enfoque particular, na forma como o presidente trata as questões da pobreza, corrupção, crime, unidade nacional e da revalorização dos heróis nacionais.
O discurso sobre a pobreza
“Muitas vezes a mesma palavra já dançou com variadíssimos parceiros. Tantos que já não há festa sem que certas expressões abram o baile. Uma dessas palavras é a «pobreza». A pobreza já dançou com um par que se chamava «a década contra o subdesenvolvimento». Outro dançarino tinha por nome «a luta absoluta contra a pobreza». Agora, dança com alguém que se intitula «a luta contra a pobreza absoluta».”Mia Couto
De acordo com a Revista de investimentos, economia e negócios em Moçambique (2005) a eleição de Armando Emílio Guebuza como Presidente da Republica marcou o arranque de uma nova era em Moçambique. Segundo esta revista, à semelhança do discurso apresentado ao longo de toda a campanha, e na continuidade da política seguida por Joaquim Chissano, Armando Guebuza “escolheu” a luta contra a pobreza absoluta e a promoção de um crescimento da economia rápido e sustentável como objectivos centrais do seu programa. No que se refere particularmente a temática da pobreza, há uma considerável diferença na forma de abordar a questão se comparado com o seu antecessor Chissano. Guebuza, em seus discursos defende a pobreza como resultado, por um lado da carência, indisponibilidade, inacessibilidade ou insuficiência de serviços ou de infra-estruturas e por outro, um problema mental associado a ideias segundo as quais a pobreza é uma dádiva divina, sinónima de honestidade e de âmbito regional.
Na sua comunicação sobre a situação geral da Nação em 2006, o Presidente da República, procurando mostrar que a pobreza era um problema de todos moçambicanos, e que a satisfação das necessidades é encarada da mesma forma pelo governo, discursou nos seguintes termos:
“A alegria que despertou a melhoria na disponibilidade de água, em quantidade e em qualidade na cidade de Inhambane foi idêntica à que assistimos nas cidades de Pemba, Tete e Quelimane quando os sistemas locais entraram em funcionamento” o que chamou de unidade nacional.
Para Guebuza, nenhuma parcela de Moçambique se pode considerar livre de uma ou de todas estas manifestações da pobreza, assim como nenhum cidadão se pode considerar imune aos efeitos destas manifestações sobre si, seu familiar, amigo ou vizinho, daí a razão fundamental para se considerar a luta contra a pobreza uma agenda de todos os moçambicanos, tanto no campo como na cidade.
Ainda nesse seu informe geral sobre o estado da nação, encontramos afirmações como:
…permitem-nos ainda, confirmar o quanto a pobreza está a recuar, graças ao esforço dos moçambicanos e daqueles que querem o bem deste maravilhoso povo.
Estas palavras, mostram claramente que há um grupo subentendido anti o sucesso de Moçambique nas suas políticas, o mesmo que tende a atribuir a pobreza, a imagem de regionalização, de honestidade, de dádiva de Deus, etc.
Outro aspecto marcante nestes discursos, é a atenção especial ao distrito como pólo de desenvolvimento.
“…o distrito continua a ser o ponto de partida e de chegada das nossas acções de luta contra a pobreza”...
Aqui o presidente, dá ênfase a transferência de recursos e de competências dos níveis mais altos de poder para os micro, concretamente ao distrito, acompanhada pela nomeação de secretários permanentes distritais e do fundo do desenvolvimento do distrito (os 7 biliões), com objectivo principal de impulsionar o Distrito, para que possa ir de encontro com as expectativas do governo.
Ao discursar na décima nona sessão do Conselho de Ministros, alargada aos governadores e directores provinciais, reitores da Universidades, editores dos órgãos de comunicação social entre outros quadros, Guebuza, disse que a sessão constituiu um momento ímpar de coesão em torno do desiderato colectivo dos moçambicanos, o de querer ver a pobreza transformada em assunto do passado, a partir do distrito. Sublinhou ainda neste encontro, que a atitude de mão estendida não se coaduna com a rica e heróica história do povo moçambicano, nem tem justificação sustentável perante a abundância de recursos, como terra e água, e acima de tudo, mulheres e homens dedicados e empreendedores, numa evidente expressão de estímulo a cultura de trabalho, o que se pode considerar de semelhante aos discursos do primeiro presidente de Moçambique, Samora Machel.
Por último, de acordo com Armando Geubuza, a luta contra a pobreza só teria seu êxito com uma atenção especial, a educação e a formação. No seu discurso sobre esta questão, são notáveis os marcos do nacionalismo e da “pobreza” como de todos moçambicanos, ao destacar a expansão escolar, sublinhando particularmente, a entrada em funcionamento dos Institutos Superiores Politécnicos de Tete, Manica (centro do país) e Gaza (sul do país), das delegações de Lichinga (norte do país) e de Xai-Xai (sul do país) da Universidade Pedagógica e pela criação da Universidade Pública do Lúrio, com sede em Nampula (norte do país).
Discurso sobre o Crime vs Corrupção
Pés embora a corrupção em si seja um crime, o “crime” e a “corrupção”, são dois problemas diferentes, que no entanto, se complementam, de tal forma que mesmo nos discursos do presidente da República, não se fala de um sem se tocar noutro.
Na cerimónia de abertura da XIX Sessão do Conselho de Ministros Ordinária, alargada a outros quadros em Agosto de 2006, Guebuza, defendeu o combate de forma mais enérgica, dos obstáculos ao desenvolvimento, nomeadamente o burocratísmo, o espírito de deixa andar, a corrupção e o crime, bem assim as doenças endémicas.
«Perguntem-se por exemplo: Quanto tempo ainda leva um documento nas vossas repartições, desde a sua entrada ao despacho final? Em que medida o mítico e confrangedor “venha amanhã, venha amanhã” já não faz parte das respostas nos vossos sectores ou áreas sob vossa jurisdição? Que novas medidas proactivas têm estado a tomar para que a corrupção não faça escala nas vossas instituições?»
Para ele, o crime em particular, é um grande obstáculo ao desenvolvimento, com destaque para os linchamentos de cidadãos que são sintoma dos constrangimentos que ainda se registam na segurança pública e no sistema de administração da justiça.
E para a redução ou mesmo o acabar com crime e corrupção, o presidente afirma nos seus discursos, que o governo tem estado a desenvolver acções de combate ao crime e de melhoria da qualidade da justiça, onde destaca por um lado, a definição de métodos e critérios de selecção dos candidatos a membros da Polícia, assegurando-se maior envolvimento das comunidades dos locais de residência dos candidatos e por outro, a formação a vários níveis e a melhoria das condições de trabalho da PRM, que estão a contribuir para uma maior eficiência da Polícia. Neste seu discurso, há uma relevância que se dá as comunidades locais, através do policiamento comunitário, como uma estratégia e modelo organizacional, que segundo Guebuza, tem estado a fortalecer a relação entre a Polícia e a Comunidade e a contribuir para a melhoria das acções de combate ao crime.
Discurso sobre Unidade nacional vs Revalorização dos heróis moçambicanos
Unidade nacional e revalorização dos heróis no contexto moçambicano são dois aspectos que se complementam, na medida em que, não se pode falar de unidade nacional sem se destacar figuras como Eduardo Mondlane e Samora Machel.
«“Falo da unidade porque é nessa unidade que está a nossa força”, disse Guebuza, que recuando no tempo, afirmou que Eduardo Mondlane, “Arquitecto da Unidade Nacional” quando descobriu que os moçambicanos andavam a perder por falta de unidade uniu-os e o fruto foi a independência». (http://noticias.sapo.mz/aim/artigo/137616062011225219.html - 16 de Junho, 23:55)
Eduardo Mondlane, é oficialmente conhecido como arquitecto da unidade nacional, por ter unido os três movimentos que formaram a FRELIMO, para lutar contra o colonialismo, e Samora Machel, proclamou a independência tornando-se no primeiro presidente de Moçambique, e destacou-se na difusão do socialismo, numa clara tentativa de lutar contra o tribalismo, o regionalismo, a etnicidade, na construção da nação moçambicana. No entanto, a construção da nação moçambicana, deixou marcas negativas na história do país, pela marginalização de algumas etnias e das autoridades tradicionais, que posteriormente vieram apoiar a RENAMO durante a guerra contra a FRELIMO. A partir deste cenário Guebuza, procura resgatar os ideais destes heróis, particularmente de Machel, sobre a “unidade nacional”, mas com envolvimento de todas as camadas sociais, como forma de mostrar que “somos um único povo, do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico”.
«“Falo da unidade porque é nessa unidade que está a nossa força”, disse Guebuza, que recuando no tempo, afirmou que Eduardo Mondlane, “Arquitecto da Unidade Nacional” quando descobriu que os moçambicanos andavam a perder por falta de unidade uniu-os e o fruto foi a independência». (http://noticias.sapo.mz/aim/artigo/137616062011225219.html - 16 de Junho, 23:55)
Eduardo Mondlane, é oficialmente conhecido como arquitecto da unidade nacional, por ter unido os três movimentos que formaram a FRELIMO, para lutar contra o colonialismo, e Samora Machel, proclamou a independência tornando-se no primeiro presidente de Moçambique, e destacou-se na difusão do socialismo, numa clara tentativa de lutar contra o tribalismo, o regionalismo, a etnicidade, na construção da nação moçambicana. No entanto, a construção da nação moçambicana, deixou marcas negativas na história do país, pela marginalização de algumas etnias e das autoridades tradicionais, que posteriormente vieram apoiar a RENAMO durante a guerra contra a FRELIMO. A partir deste cenário Guebuza, procura resgatar os ideais destes heróis, particularmente de Machel, sobre a “unidade nacional”, mas com envolvimento de todas as camadas sociais, como forma de mostrar que “somos um único povo, do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico”.
Por isso, encontramos nos seus discursos, grande enfoque aos momentos de realce na vida da Nação que segundo Armando Guebuza, contribuíram para o reforço da Unidade Nacional, através da convivência entre moçambicanos de diferentes origens étnica, cultural, racial, religiosa e social, através dos festivais nacionais dos jogos desportivos escolares e da cultura. Para além do encontro nacional, caracterizado pelo percurso, por todo o País, por ocasião dos 30 anos da Independência Nacional, da “Chama da Unidade”, o chamado símbolo da coesão.
“Esperar, tocar, receber e transportar a tocha, ao lado da Bandeira Nacional, gerou momentos de júbilo popular, de festas espontâneas, de manifestações de patriotismo e sentimento de pertença à mesma Pátria”.
Segundo o presidente da República, estas celebrações, homenagens e manifestações têm o condão de assegurar a preservação da história do povo moçambicano, registando nos seus mais preciosos anais, a heroicidade e talento dos moçambicanos e manter viva a chama da Unidade Nacional.
Para a Guebuza, os vários eventos serviram de plataforma da consolidação da Nação, com destaque por um lado para:
- A consagração de 2009, como Ano Eduardo Mondlane, o arquitecto da Unidade Nacional e figura lendária do processo de libertação;
- A celebração dos 75 anos depois do nascimento de Samora Moisés Machel, proclamador da Independência Nacional e primeiro Presidente da República;
- A celebração dos 40 anos após a morte de outros destacados jovens da Geração do 25 de Setembro nomeadamente, Filipe Samuel Magaia, Tomás Nduda, John Issa, Mateus Sansão Muthemba, José Macamo e Paulo Samuel Kankhomba, que derramaram o seu sangue pela libertação do povo moçambicano.
E por outro para a proclamação como Património Cultural:
- de Matchedje, no Niassa, aldeia que acolheu o II Congresso da FRELIMO, por ocasião das celebrações dos 40 anos da realização deste evento histórico;
- da aldeia de Nwadjahane, em Gaza, berço do Presidente Eduardo Mondlane;
- de Chilembene, em Gaza, terra natal do Presidente Samora Machel;
Comentários
Nos discursos de Armando Guebuaza, três pontos merecem atenção especial, a questão da pobreza, o apelo a unidade nacional e a revalorização dos heróis nacionais. Dentre várias definições de pobreza, ela pode ser entediada geralmente, como a falta do que é necessário para satisfazer as necessidades básicas – alimentos, vestuário, habitação e cuidados de saúde. Nas abordagens de Guebuza, através dos seus discursos sobre a pobreza, é visível o reconhecimento da pobreza como a falta de alimentos, habitação, infra-estruturas, etc. Entretanto, há um enfoque particular no qual o presidente procura mostrar que a pobreza em Moçambique, é mais do que isso, é “problema da mente”, a “pobreza está na cabeça”. Será o povo moçambicano preguiçoso? Talvez não, pois o próprio Guebuza, afirma nos seus discursos que o povo moçambicano é activo e tem cultura de trabalho. Então, a pobreza mental a que Guebuza se refere, é resultado de alguma forma de pensar, concretamente, a ideia de que a pobreza não é de todos moçambicanos, há em Moçambique povos ou etnias privilegiadas, o que pudemos constatar nos discursos dos deputados da oposição durante as sessões parlamentares, que tem afirmado que a região sul é a mais beneficiada pelas acções governativas da FRELIMO. A pobreza mental seria também, pensar que a pobreza é dádiva de Deus ou destino. Guebuza, procura aqui mostrar que tudo é possível, qualquer um pode ser “rico”, somente com trabalho se alcança o sucesso. Temos ainda destacar sobre a pobreza, a “descentralização” o distrito que aparece como pólo de desenvolvimento, com a atribuição dos 7 biliões ao distrito.
Entendo eu, que a atribuição dos 7 biliões é um passo para combater a pobreza, no entanto bastante insignificante, na medida em que: primeiro, este fundo traz consigo objectivos mais políticos, ou seja, resgatar a simpatia das autoridades locais que teriam sido marginalizados após independência, de tal forma que o processo de reembolso é bastante fraco, rondando em cerca de 5% a nível nacional, com governo não se mostrando muito preocupado com isso. Segundo, descentralizar, não é apenas dar dinheiro, é acima de tudo, criar condições para que o distrito seja atractivo, através de infra-estruturas, garantia de serviços básicos de saúde e de educação, a banca, entre outros, o que o distrito em Moçambique não possui. Numa reportagem sobre o fundo desenvolvimento do distrito, na Rádio Moçambique, um beneficiário terá dito que o dinheiro dava azar! Quais s critérios usados para tal atribuição? Como e quando o distrito será pólo de desenvolvimento, com a cidade de Maputo sendo centro de tudo? O chefe do Estado fala de empreendedorismo como forma de acabar com o desemprego. Qual é o empresário em Moçambique que nunca foi empregado?
O segundo ponto, está ligado ao terceiro, a unidade nacional e revalorização dos heróis moçambicanos respectivamente, minha opinião é de que o apelo a unidade nacional tem por objectivo eliminar as concepções de Moçambique dividido, estimular sentimentos nacionalistas nos moçambicanos, que historicamente sempre foram divididos política e regionalmente. Moçambique, ainda não é nação, de tal forma que a sua construção da mesma, passa necessariamente por discursos como: “nós”, “o povo moçambicano”, “pátria amada”, etc. E a revalorização dos heróis, tem em vista legitimar a supremacia e o domínio da FRELIMO, em todas as dimensões, procurando mostrar que foi a FRELIMO que libertou o país do jugo colonial, e nenhuma outra força política pode reclamar qualquer posição de poder, aliás na sua propaganda durante a campanha em 2009, encontramos expressões como: “A FRELIMO é que fez, a FRELIMO é que faz”.
Para finalizar, a oposição é de opinião que o fraco diálogo entre o governo e a oposição hoje é em parte devido a pouca abertura do presidente Guebuza, mas ao meu entender, o fraco diálogo, está em consonância com os objectivos do partido FRELIMO, de conquistar os 250 assentos no parlamento e acabar com a oposição.
"...milhares de partidos podem ser criados e participar em todas as eleições mas a FRELIMO continuará no poder neste país...queremos que dentro alguns anos a oposição não entre mais no parlamento..." (Trecho tirado de artigo de Domingos do Rosário, em citação ao Jornal "Notícias" do dia 28 de Abril de 2007)
Como dizia um docente durante uma aula na Universidade Eduardo Mondlane, “com os acordos de paz, terminou a guerra militar, e iniciou a guerra política ou intelectual…saímos do mato para a cidade e aqui na cidade os mais capacitados e equipados é que vencem”, talvez seja por isso que o presidente da RENAMO, preferiu abandonar a capital do país para se instalar em Nampula, terceira maior cidade de Moçambique. (Texto editado no dia 19 de Junho de 2011)
Ofice Jorge
Referências Bibliográficas
GUEBUZA, Armando Emílio. Estado da nação - O Combate a pobreza: Um desígnio nacional, Maputo, 18 de Dezembro de 2006.
GUEBUZA, Armando Emílio. Trabalho para produzir Comida: Um desafio à nossa criatividade e à materialização das nossas responsabilidades políticas e administrativas, Maputo, 11 de Agosto de 2006.
GUEBUZA, Armando Emílio. O combate contra a pobreza: Concentrando as Nossas Acções no Distrito, Maputo, 22 de Junho de 2009.
GUEBUZA, Armando Emílio. O Executivo Moçambicano: Mecanismo centralizado para uma descentralização êxitos, Maputo, 18 de Janeiro de 2010.
CHICHAVA, Sérgio. Discurso político e pobreza em Moçambique. Uma análise crítica. (s.d.)
Revista de investimentos, economia e negócios em Moçambique, Nº 39, Setembro, 2005.
Do ROSÁRIO, Domingos. Descentralização em contexto de partido "dominante": caso do Município de Nacala Porto. In DE BRITO, Luís; CASTELO-BRANCO; Carlos Nuno; CHICHAVA, Sérgio; FRANCISCO; António. Desafios para Moçambique 2011.