
Depois de uma conferência em Londres, no fim do século XIX, convivas reúnem-se num clube e entretêm-se especulando sobre o futuro da humanidade nos próximos cem anos em vários domínios. Estes convivas acabavam de ouvir um notável físico inglês cujos cálculos indicavam que o fim do globo terrestre e a raça humana devia acontecer exactamente dentro de dez milhões de anos. Após uma explicação longa de vários assuntos cosmológicos feita pelo físico e matemático, o companheiro Edward Lembroke convida-os a cear. Foi depois esperar que o champanhe descontraísse os cérebros para que estes entusiastas do saber lançassem-se a sentenciar o futuro da humanidade.
James Wittmore vaticina um mundo em que “a América tomaria a dianteira do movimento na marcha do progresso” e “a África sempre explorada e sempre misteriosa”, “conquistada tão penosamente para a civilização.” Podemos contraditar o homem? Jullius Pollack, um vegetariano e naturalista prevê um mundo em que, graças à evolução na química, a alimentação seria doseada “sob a forma de pós, xaropes, pílulas e biscoitos” e “a fome riscada do registo das nossas misérias”, uma previsão bastante idealista que não lhe faltou censura. Arthur Blackcross, pintor e crítico de arte, místico, esotérico, simbolista e fundador da escola dos estetas do amanhã, desiludido com a falsidade artística, as cópias e a mediocridade, prevê uma saturação de quadros, de episódios históricos e figuras mitológicas, fazendo tais acontecimentos compreender aos governos “ a enorme loucura que cometeram ao não desencorajarem sistematicamente as artes, que é a única maneira de as proteger, exaltando-as”, e defende o regresso à uma arte aristocrática, onde “a produção será rara, mística, devota, superiormente pessoal”, compreendendo “talvez dez ou doze apóstolos por cada geração.”
Chega-nos então o depoimento do narrador do livro, um bibliófilo, que questionado sobre o que acontecerá “às letras, aos literatos e aos livros”, anuncia a queda da invenção de Gutenberg como “interprete das nossas produções intelectuais”. Ou seja, o nosso narrador surpreende-nos projectando o fim do livro, substituído pelo fonógrafo de Edison, um aparelho para gravar e reproduzir o som inventado em 1878. Declaram-se logo dúvidas, espanto e negações sobre a intervenção do bibliófilo e este teve mesmo dificuldades em se recompor e defender com argumentos a sua predição. O bibliófilo explica que como consequência da natureza ociosa do homem e da sua procura permanente pelo conforto, sendo a leitura um exercício que “não só exige do nosso cérebro uma atenção constante que consome uma grande parte dos nossos fosfatos cerebrais, como também obriga o nosso corpo a diversas atitudes cansativas”, o fonógrafo, por precisamente favorecer esse conforto que os humanos procuram, destruiria a tipografia. Os fonógrafos converteriam a autor no próprio editor e para prevenir imitações este registaria a sua voz; Os homens das letras não seriam chamados escritores mas antes narradores e “o gosto pelo estilo e pelas frases pomposamente adornadas” perder-se-ia, apreciando-se em vez disso a dicção e a voz dos narradores. Nesse futuro apocalíptico para os livros, as bibliotecas transformar-se-iam em fonografotecas ou clicheotecas e as edições mais procuradas seriam aquelas autofonografadas pelos artistas, os bibliófilos transformar-se-iam em fonografófilos e surgiriam os maravilhosos fono-operágrafos de bolso, “úteis para uma excursão às montanhas dos Alpes”, os jornais impressos quedariam e no seu lugar viria “o grande jornal fonográfico”. As explicações sucedem-se, com pormenores sobre os mecanismos de funcionamento em cada uma destas inovações. Blackcross, cheio de dúvidas, questiona ao bibliófilo sobre a ilustração dos livros, ao que este afirma que até essa será destituída pelo cinetógrafo de Edison.
Em todo o seu discurso, o bibliófilo tenta demonstrar que se os livros têm um destino “esse destino está, mais do que nunca, à beira de se cumprir” e será a sua desaparição.
O futuro do livro aqui previsto é o nosso presente e, felizmente, o livro não desapareceu. As predições sobre o fim do livro continuam a ser proferidas, agora mais com o aparecimento quase diário de novos suportes de leitura. Nicholas Negroponte, por exemplo, fundador e professor da Media Lab, o laboratório de multimédia do Massachussets Institute of Technology sentenciou o fim do livro para dois mil e quinze, uma sentença que quanto a mim falhará.
Este livro curto, com diálogos simples e uma estrutura narrativa com poucos enredos apresenta um assunto de uma grande actualidade e foi publicado pela primeira vez em 1895, integrando o volume Contes pour les bibliophiles, de Octave Uzanne e Albert Robida, que o ilustrou.
(Editora: Palimpsesto, 75 Páginas, Ano:2010)
Tavares B.
Faltou um esmero a mais.
ResponderEliminarO texto cingiu-se ao enredo e descorou discutir com mais profundidade a estrutura narrativa, as mecânicas do texto. Dito isto,pouco me revi ao fim de umas semanas. Se sou contraditório, pouco interessa. Podia ter feito melhor. As paranóias fazem isto por vezes, mas salvam-nos dum convencimento bacoco.
Tavares
Hum! a me fez nao fez diferenca, talvez pork nao li ainda obra. E de certa forma sou obrigado visita-la.
ResponderEliminarSo assim poderei dizer qualquer coisa....