quinta-feira, 26 de maio de 2011

Participação política

Na terminologia corrente da ciência política, a expressão Participação Política é geralmente usada para designar uma série de actividades: o acto do voto, a militância num partido político, a participação em manifestações, a contribuição para uma certa agremiação política, a discussão de acontecimentos políticos, a participação num comício ou numa reunião de secção, o apoio a um determinado candidato no decorrer da campanha eleitoral, a pressão exercida sobre um dirigente político, a difusão de informações políticas.
É fácil de ver que um tal uso da expressão reflecte praxes, orientações e processos típicos das democracias ocidentais. E não é para admirar, se considerarmos que foi justamente em tais contextos que se realizaram as primeiras pesquisas sobre a Participação política e que até hoje, não obstante a ampliação de tais estudos, os nossos conhecimentos sobre o assunto derivam de pesquisas efectuadas num número bastante limitado de países ocidentais. A matriz cultural destes estudos faz com que a fundamentação conceptual e o campo de pesquisa nem sempre sejam transferíveis para contextos diferentes. Assim, a aplicação a sociedades em vias de desenvolvimento, carentes de infra-estruturas políticas e caracterizadas por elevadas taxas de analfabetismo, dos esquemas preparados para o estudo da Participação Política em sociedades desenvolvidas e possuidoras de uma tradição democrática mais ou menos sólida, não é sempre frutífera.
É indispensável precisar bem isto, porque se verifica que o substantivo e o adjectivo que compõem a expressão Participação Política se prestam a interpretações diversas. Antes de tudo, a definição de actividade política nem sempre é unívoca; se quanto a certas actividades como o acto de votar, por exemplo, não existem dúvidas, pelo que respeita a outras, principalmente da esfera religiosa, económica e cultural, o problema não é assim tão simples e a solução depende amiúde da cor ideológica dos próprios participantes. Em segundo lugar, o termo participação se acomoda também a diferentes interpretações, já que se pode participar, ou tomar parte nalguma coisa, de modo bem diferente, desde a condição de simples espectador mais ou menos marginal à de protagonista de destaque.

Formas de participação política
Há pelo menos três formas ou níveis de Participação Política que merecem ser brevemente esclarecidos. A primeira forma, que poderíamos designar com o termo de presença, é a forma menos intensa e mais marginal de Participação Política; trata-se de comportamentos essencialmente receptivos ou passivos, como a presença em reuniões, a exposição voluntária, mensagens políticas, etc., situações em que o indivíduo não põe qualquer contribuição pessoal.
A segunda forma, poderíamos designá-la com o termo de activação: aqui o sujeito desenvolve, dentro ou fora de uma organização política, uma série de actividades que lhe foram confiadas por delegação permanente, de que é incumbido por vezes, ou que ele mesmo pode promover. Isto acontece quando se faz obra de proselitismo, quando há um envolvimento em campanhas eleitorais, quando se difunde a imprensa do partido, quando se participa em manifestações de protesto, etc. O termo participação, tomado em sentido estrito, poderia ser reservado, finalmente, para situações em que o indivíduo contribui directa ou indirectamente para uma decisão política.
Esta contribuição, ao menos no que respeita à maior pane dos cidadãos, só poderá ser dada de forma directa em contextos políticos muito restritos; na maioria dos casos, a contribuição é indirecta e se expressa na escolha do pessoal dirigente, isto é, do pessoal investido de poder por certo período de tempo para analisar alternativas e tomar decisões que vinculem toda a sociedade. É evidente que a Participação política em sentido estrito só se pode dar com um número bastante reduzido de pessoas, naqueles sistemas políticos, ou organismos, que não têm um carácter competitivo e que utilizam os mecanismos eleitorais, se os utilizam, para fins bem diversos.
As pesquisas feitas permitem traçar um quadro bastante completo da extensão da Participação Política nas sociedades democráticas contemporâneas. Note-se, antes de mais, que a inserção de grandes massas nos mecanismos da vida política é um facto bastante recente: exceptuados os Estados Unidos, o sufrágio universal e a igualdade do voto só foram conquistados, de uma maneira geral, nos primeiros decénios deste século.
De 1861 a 1880, os que tinham direito a voto na Itália não iam muito além dos 2% da população; de 1882 a 1909, o percentual é inferior a 10%; nas eleições de 1913, apesar da ampliação do sufrágio, os eleitores só representavam cerca de 23% da população; as mulheres só tiveram direito ao voto após a Segunda Guerra Mundial; em países que blasonam de tradições democráticas, como a Suíça, as mulheres ainda são parcialmente excluídas de votar. O mesmo se diga de outras estruturas de participação de grande importância, como os partidos políticos: estes também são instituições muito recentes e, em certos países, sua continuidade foi muitas vezes interrompida por experiências de regimes não democráticos.
O ideal democrático supõe cidadãos atentos à evolução da coisa pública, informados dos acontecimentos políticos, ao corrente dos principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pelas forças políticas e fortemente interessados em formas directas ou indirectas de participação. Numerosas pesquisas levadas a cabo nos últimos decénios demonstraram claramente que a realidade é bem diferente. Em primeiro lugar, o interesse pela política está circunscrito a um círculo bem limitado de pessoas e, não obstante o relevo dado pela comunicação de massa aos acontecimentos políticos, o grau de informação a tal respeito é ainda
baixo: os acontecimentos desportivos, o mundo do espectáculo e outros aspectos da crónica diária são muito mais conhecidos do grande público.
Vale a pena lembrar que, segundo uma pesquisa efectuada em1959, cerca de 40% da população italiana adulta não conseguiam sequer citar o nome de um líder político e 53% não foram capazes de recordar o nome de um único membro do Governo. Pelo que respeita à participação propriamente dita, a forma mais comum, e, para muitos, também a única, é a participação eleitoral. Contudo, em diversos países, neles incluídos alguns dos que possuem uma longa tradição democrática como os Estados Unidos, as taxas de abstencionismo atingem por vezes níveis bastante elevados. Em outros países em que o abstencionismo é reduzido, como na Itália, à participação eleitoral não se seguem outras formas de Participação Política.
Consideremos também que as diversas formas de Participação Política tendem a acumular-se e que os inscritos e participantes são, no conjunto, os mesmos. Finalmente, têm adquirido certo relevo formas novas e menos pacíficas de participação, nomeadamente as manifestações de protesto, marchas, ocupação de edifícios, etc. Segundo alguns observadores, encontraríamo - nos, aqui, em face de uma revitalização da Participação Política que, abandonados os velhos esquemas, se articularia agora em outros canais. Trata-se indubitavelmente de fenómenos de um certo interesse que não podem ser subestimados.
Recorde-se, no entanto, que, visando estas formas a tornarem-se extremamente visíveis e sendo com frequência documentadas em toda a sua dramaticidade e com grande realce pelos meios de comunicação de massa, é fácil sermos levados a superestimar sua importância pelo número de pessoas que participam. Trata-se, além disso, de formas esporádicas de participação que não levam quase nunca à criação de instrumentos organizativos, isto é, à institucionalização da Participação Política.
As estruturas de participação mais importantes estão ligadas, nos sistemas democráticos, aos mecanismos de competição entre as forças políticas e estão geralmente institucionalizadas nas normas que dizem respeito ao processo de renovação dos cargos públicos. Além disso, é importante realçar o papel do conjunto de associações voluntárias que constituem o tecido conectivo de uma sociedade pluralista e que têm uma tríplice função principal: são fontes de estímulo político, servem de mecanismo de recrutamento e unem os indivíduos e os grupos primários às instituições e às diversas forças políticas.
Nos sistemas autoritários e totalitários, a Participação Política, em vez de ser estimulada por mecanismos competitivos, em vez de ser, por conseguinte, essencialmente voluntária, apresenta, a despeito de uma terminologia que é muitas vezes idêntica, um carácter bem diferente. O termo mais adequado seria o de mobilização para acentuarmos que a presença e a actividade de estratos mais ou menos amplos da população são programadas do alto e enquadradas na actividade das organizações de massa, às quais são confiadas, além de funções de estímulo, a incumbência do controlo social.
As pesquisas sobre participação trouxeram à luz certas características individuais, psicológicas ou sociológicas, que andam unidas a uma elevada ou baixa Participação Política. Algumas destas características parecem ser relativamente constantes de sistema para sistema; outras, ao invés, são função de traços específicos de determinados contextos. Mas é preciso ter presente que se trata de tendências e não de uma uniformidade absoluta.
Em geral, os resultados indicam que os níveis de Participação Política são mais elevados entre os homens, nas classes altas, nas pessoas de mais elevado grau de instrução, nos centros urbanos mais que nas zonas agrícolas, entre pessoas educadas em famílias onde a política ocupa um lugar de relevo, entre os membros de organizações ligadas mesmo indirectamente à política, entre os que estão mais facilmente expostos a contactos com pessoas ou ambientes politizados, etc. A identificação de características deste tipo tem, contudo, por enquanto, apenas um valor descritivo. Não obstante as numerosas pesquisas realizadas, ainda não foi elaborada uma verdadeira e autêntica teoria da Participação política que conseguisse explicar a variedade de resultados.
Salvador C. Zavale
Algumas bibliografias importantes por consultar:
BOBBIO, Noberto. Dicionário de Ciência Política. Editora Universidade de Brasilia, 13a ed.  volume II (2000),
VERBA S.  E NlE N. H. Participation in America, political democracy and Social equality, New York: Harper & Row. 1972.
VERBA S, NIE N. H.  e KIM. J. Participation and political equality. A seven-nation comparison, Cambridge: Cambridge University Press. 1978.



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